Edição #17
Rio de Janeiro, 2011
“DKANDLE tece paisagens sonoras transcendentes vibrantes e multicoloridas, misturando texturas Shoegaze difusas e reverberantes, meditações Dream Pop hipnotizantes, tons Grunge lamacentos e tensões Post-punk temperamentais, intensificadas com lirismo comovente e vocalizações emotivas e pensativas”
Não costumo assistir novela, mas há alguns dias estava na casa dos meus pais, que estavam com a TV ligada, e por acaso assisti ao final da novela Insensato Coração, da Rede Globo, onde teve uma cena de um casamento gay. Assisti curioso, imaginando que finalmente a Rede Globo iria mostrar um beijo gay, porque afinal, se iria mostrar um casamento, obviamente teria que haver uma cena de um beijo, de um selinho, pelo menos. Seria o natural, afinal era uma cena de casamento. Porém, os noivos se casaram oficialmente e… não rolou beijo entre eles no seu próprio casamento! Putz... Vou repetir: OS NOIVOS NÃO SE BEIJARAM NO SEU PRÓPRIO CASAMENTO!!! Detalhe: os noivos beijaram os convidados depois do casamento, mas beijo entre eles mesmos, nada... (?!?) Alguém pensou em hipocrisia?
Na realidade, poucos. A maioria ficou perplexa e se perguntou: "Aquilo é um casamento entre homens?? É o fim do mundo mesmo! Este país está perdido! Estamos virando Sodoma e Gomorra!"... No entanto, a realidade brasileira agora é essa: pessoas do mesmo sexo podem ter união civil, o mundo não acabou e o Brasil não virou Sodoma e Gomorra por causa disso. Então, OK, a novela cumpriu seu papel em tentar abrir a mente das pessoas e fazê-las avançarem ao aceitar que a sociedade está evoluindo, certo? Mais ou menos... Pois isso ainda tem alguma coisa errada. Incomodou-me profundamente o fato da cena do casamento não ter tido um beijo. Ainda não se livraram do ranço anti-beijo gay. E o objetivo dessa matéria surgiu do desejo de descobrir o motivo para a Rede Globo recusar-se tanto a mostrar um beijo gay. (EDIT 2024: Em janeiro de 2014, foi ao ar a primeira cena de beijo gay na Rede Globo, na novela Amor à Vida. Outros beijos têm seguido em outras novelas).
O Brasil é careta e machista, não tem topless na praia... Ainda há uma mentalidade heteronormativa, onde o sistema gira em torno do Homem-Branco-Hétero-Cristão, onde tudo além é secundário e serve para manter a estrutura dominante. Tudo que ameaça esse status quo é violentamente reprimido. Por isso, não há topless em praias públicas brasileiras. E é por isso também que cada vez mais vemos manifestações de homofobia. O hétero cristão sente-se ameaçado de sua posição e não quer que as coisas mudem, pois elas já funcionam de modo a facilitar a vida dele. Ele sente-se incomodado com o crescimento da visibilidade dos gays e odeia a perspectiva de um futuro mais colorido, pois ele sempre funcionou com cores militares neutras. O maior exemplo de Homem-Branco-Hétero-Cristão é o Bolsonaro, que possui muitos apoiadores, e não é à toa que é eleito. A mentalidade prevalecente no Brasil é essa pregada por ele, que encontra terreno fértil no povo, careta e machista na maioria.
A mídia descobriu um filão: o dessa classe média emergente sem forte formação cultural. Essas pessoas, cristãs na maioria, na verdade NÃO QUEREM ser bem alimentadas culturalmente. Para o nosso espanto, elas ainda agradecem pelo lixo que recebem! Dão "graças a Deus" pela sua casa confortável com uma TV plasma digital gigante.
Não adianta o Brasil ser o único do BRIC que não investe em educação. Os brasileiros estão submersos num mar de alienação e na verdade nem sabem o que está acontecendo, o que importa mesmo é saber o final da novela. Ah, esqueci... é porque tiveram um dia cansativo no trabalho e tal, e querem ter momentos relax em casa - é o que dizem os que justificam a massificação. Mas o fato das pessoas quererem relaxar em casa não justifica que a programação da TV seja tão ruim. Mas é de propósito!
DAR PINTA NA TV, PODE...
Para alguns ativistas gays e pró-minorias, pode até parecer que a situação hoje em dia está melhor do que há alguns anos atrás. Houve uma maior visibilidade e mais conquistas, como o reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo. Mas a maioria dos brasileiros ainda é contra essas coisas "que saem da norma". Porque tudo o que não se conforma com a moral vigente assusta, e muitas vezes sofre mesmo oposição, pelo medo de estar trazendo caos para a sociedade. No fundo disso tudo, está a religião cristã, que não aceita nada que não siga os seus preceitos.
A evangélica Rede Record, então, nem se fala... Claro que as suas novelas não mostram beijos gays. São mais reacionários e hipócritas ainda. A MTV já mostrou beijo gay, mais de uma vez. Mas já era de se esperar que eles não fossem tão antiquados, e além disso seu alcance é bem menor, por isso esses beijos foram vistos por um público bem restrito. O SBT até já mostrou duas mulheres se beijando em suas novelas, mas isso não assusta, pelo contrário: o Brasil sendo uma sociedade machista, é até incentivável que se mostre isso. Mas a Globo ainda é a rede mais poderosa, é a que representa os católicos, que formam mais de 70% da população, portanto a sua influência ainda é enorme. Todos sabem que a Igreja Católica é a maior inimiga dos homossexuais. Não aceitam de jeito nenhum que dois homens possam constituir família, pois para eles, somente um homem e uma mulher têm esse direito. Esquecem-se de famílias muitas vezes constituídas somente por pai e filho, tia e sobrinha, primo e primo etc.
Estamos agora vivendo uma época onde vemos muitos direitos sendo reconhecidos para os gays ao redor do mundo. Entendo que a cena do capítulo final onde dois personagens gays se casam seja um reflexo dessa mudança. O autor quis mostrar para o Brasil que isso hoje em dia é possível. OK, tudo isso é muito informativo, mas… Por que diabos os personagens gays não se beijaram no seu próprio casamento?? Por que essa cena é tão demonizada assim pela Rede Globo ao ponto de nunca, na sua história até então, terem exibido em sua programação dois homens se beijando?
Lembrei agora do filme Cinema Paradiso, onde havia um padre que assistia antes todos os filmes que passariam no tal cinema, e censurava todas as cenas que mostrassem beijo. É bem isso mesmo o que ainda acontece: já avançamos ao ponto de beijos entre homem e mulher serem amplamente mostrados na TV, e seria até ridículo hoje em dia isso ser censurado, ms ainda estamos na Idade Média quando se trata de mostrar um beijo gay. Esse é cortado da cena - é o "amor proibido". Mas, sendo o amor um ato que só pode nascer de Deus, como pode ser proibido? Quem são esses religiosos para instituirem o que pode e o que não pode ser amor?
A Globo não mostrou isso na novela porque o beijo gay é o símbolo maior de que pode haver afetividade entre dois homens, mas isso é algo inadmissível para o cristão praticante. Assim como a Rede Record pertence ao bispo Edir Macedo, a Rede Globo tem o rabo preso com o Bispo Católico. Para que a Globo não possa mostrar um beijo gay, algo tão inofensivo mas tão aviltante para o dogmático religioso, isso só pode ser por medo de desagradar o Bispo. Virou tipo uma questão de honra para a Igreja que essa cena não seja mostrada na novela da Globo. É como se fosse uma demonstração de quem manda, quem tem o poder aqui são eles, e eles - para manterem o seu establishment - não aceitam nada que ameace sua posição, e o beijo gay... Esse incomoda pra caralho!!
Mesmo quando passar a ser exibido na TV, o beijo gay vai continuar a sofrer oposição. Por quê? Simples: o beijo gay é o símbolo da destruição do dogma cristão. Isso porque o beijo, quando é entre duas pessoas que se amam, é um ato divino. O argumento é esse: Deus é Amor, sendo assim, amar é um ato divino. Não importa o sexo. Para Deus, isso é o de menos. Amar é SEMPRE uma manifestação da vontade divina.
Um dia, e espero que não esteja longe, a Igreja terá de dar o braço a torcer e admitir que não só os héteros podem ser eleitos. Vão se sentir envergonhados do mesmo modo como pediram perdão pela Inquisição, por terem negado o acesso dos homossexuais aos portões do Paraíso. Se Deus é Amor, todas as teorias cristãs anti-homossexuais são equivocadas. Um erro gravíssimo tomado como moralidade edificante.
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