Publicado originalmente na coluna Rio Fanzine do jornal O Globo
“DKANDLE tece paisagens sonoras transcendentes vibrantes e multicoloridas, misturando texturas Shoegaze difusas e reverberantes, meditações Dream Pop hipnotizantes, tons Grunge lamacentos e tensões Post-punk temperamentais, intensificadas com lirismo comovente e vocalizações emotivas e pensativas”
Saca só esse espaço que fica em Estocolmo, na Suécia. O nome é Demoteket e fica na principal praça do centro da cidade, num dos lugares mais movimentados, perto da estação central de metrô. O prédio onde ele fica é lindo e se chama Kulturhuset (Casa da Cultura). Esse prédio é famoso em Estocolmo, inclui uma loja com produtos de novos designers suecos, uma videoteca, barzinhos, restaurantes etc.
Você, bastante curioso, se pergunta: “O que pode vir a ser um local chamado Demoteket?? Será que é mesmo o que estou pensando?” Bem, vamos lá ver...
Na entrada, alguns punks, a maioria de cabelos pintados e com piercing, na faixa de 12 a 17 anos, conversando, fumando cigarro e ouvindo punk-rock moderadamente alto, em rádios gravadores portáteis, no meio da calçada mesmo. Ao abrir uma enorme porta de vidro, logo um dos atendentes, bem produzido, vem e te cumprimenta em inglês. Você pergunta o que é aquilo. “A Demoteket é um espaço dedicado a cultura musical underground”, diz ele. “Aqui dá-se condições às pessoas de divulgarem seus projetos musicais. Novas bandas, de qualquer lugar, podem exibir demos e fazer shows aqui também. E temos uma exposição permanente de fanzines”. Ele diz com entusiasmo, você sente que ele realmente gosta de trabalhar ali.
Olhando ao redor, você vê várias estantes cheias de CDs demo, separadas por estilo: punk-rock, indie, hardcore, crust, electro, industrial, death-metal etc. Ao lado das estantes, vários headphones, onde as pessoas podem ouvir os CDs, e caso se interessem, basta pagar por um preço bem em conta. Logo atrás, perto da enorme parede de vidro que dá vista para a rua, vários sofás e cadeiras multicoloridos, no melhor estilo lounge, com várias pessoas fumando e bebendo, enquanto ouvem som ambiente, no volume certo para que não atrapalhe as conversas. Ao alcance delas, vários fanzines numa parede, que podem ser lidos nos sofás e cadeiras enquanto a pessoa fuma, bebe ou come alguma coisa. Do lado esquerdo, um mini palco, todo equipado com amplificadores valvulados, mesa de som etc. Bem profissional, você pensa. No outro lado da casa, em frente ao palco, uma mini arquibancada de madeira, cheia de almofadas, com algumas pessoas deitadas, ouvindo música em headphones de seus iPods, e outras lendo livros, ou apenas descansando, conversando ou namorando. E atrás de você ainda tem um barzinho, com vários banquinhos e mesas.
Você não consegue acreditar num lugar desses. Quanta organização, tudo tão limpo e bonito, nem parece uma coisa underground! Aí você não contém a curiosidade e pergunta quem financia aquilo, como aquele local abençoado surgiu. E o atendente te explica calmamente que aquilo foi criado e é mantido pelo próprio governo...
Na hora você não acredita e acha estranho um lugar tão underground e ao mesmo tempo tão organizado e limpo. Assim perde até a graça! Tudo tão certinho... Bem, na verdade, para nós, soa mesmo estranho um local como esse, mas para o povo sueco isso não é nada de outro planeta. A Suécia é um dos países mais avançados do mundo; os suecos chamam o governo de “the Big Brother” (o Grande Irmão). Claro que não é à toa...
Depois, ao sentir melhor o lugar, você começa a imaginar como seria legal e como faz falta um espaço assim no Brasil. Um venue alto astral, com várias opções de música, com espaço para novos talentos, ambientes chill out, entrada gratuita e sem censura, palco para shows etc (Rolam shows de bandas independentes toda quinta-feira). Ah, mas é quase utopia imaginar um lugar assim no Brasil, ainda mais financiado pelo governo... Quando Brasília foi construída, por exemplo, o setor Cultural foi o único não concluído, e ficou décadas esquecido... O único prédio do setor cultural construído na época foi o do Teatro Nacional, e só agora, depois de 50 anos, é que todo o resto como o Museu, a Biblioteca e o Planetário estão sendo construídos... No Brasil, a cultura sempre foi tratada como algo não-prioritário, de segunda importância. Por isso, pedir para o governo construir uma Demoteca aqui soa quase surreal.
Você não se sente indignado de pertencer a um país que trata a cultura com descaso, colocando-a em último lugar entre as prioridades gerais? Está na hora do Brasil passar a tratar cultura como prioridade número um, seguindo o exemplo da Suécia e de outros países. Isso não é utopia, pode se tornar uma realidade, basta a gente querer e agir para isso.
Viva a Demoteca de Estocolmo!
EDIT 2024:
Infelizmente a Demoteket do Kulturhuset não existe mais... Com o advento do streaming, a biblioteca de música e mídia acabou fechando em 2018 devido a cortes orçamentários. Porém, a coleção de música e mídia da Demoteket foi transferida para a biblioteca principal da cidade, a Stadsbiblioteket.
A Stadsbiblioteket agora oferece acesso a uma ampla coleção de música e mídia, incluindo CDs, DVDs, livros e revistas. Você pode pesquisar e reservar itens online ou visitá-la pessoalmente.
Stadsbiblioteket, Estocolmo
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Edição #4
Rio de Janeiro, 2001