

Entrevista com Elke Maravilha, por Ricardo Costa
(publicado originalmente na revista Velotrol)

TAGS: entrevista, humor, vídeos
“DKANDLE tece paisagens sonoras transcendentes vibrantes e multicoloridas, misturando texturas Shoegaze difusas e reverberantes, meditações Dream Pop hipnotizantes, tons Grunge lamacentos e tensões Post-punk temperamentais, intensificadas com lirismo comovente e vocalizações emotivas e pensativas”
INFÂNCIA
Eu nasci na Rússia, em Leningrado, em 22 de fevereiro de 45. Sou pisciana, ascendente em Escorpião e lua em Câncer. Sou água, água, água.
Meu pai também era russo, mas lutou contra a Rússia (a favor da Finlândia) em um conflito em 1939. Foi gravemente ferido e ficou preso na Sibéria como traidor da pátria. Depois de um tempo ele foi preso de novo, desta vez em um campo de concentração na França, onde seria morto. Minha mãe escondeu uma arma em mim para levar para o meu pai tentar fugir. Eu tinha seis anos. Chegamos lá, revistaram minha mãe e quando foram me revistar, eu budunhei no pescoço do soldado e ele se derreteu. Meu pai pegou a arma, fugiu e veio ao nosso encontro.
Havia três países que recebiam imigrantes: Canadá, Nova Zelândia e Brasil. Eu conheci uns neo zelandeses, que disseram: "você fez muito bem de vir para o Brasil, lá é um saco!" Viemos para o Brasil e fomos despejados lá na Ilha das Flores, na Baía de Guanabara.
NEGROS
Meu pai for trabalhar em uma fazenda em Minas Gerais. Eu tinha um medo do caralho de negro, nunca tinha visto um. Chorava o dia inteiro, eu era uma criança medrosíssima. Meu pai me tirou esse medo: um dia ele me levou para a casa dos negros e disse: "você vai ficar aí". Depois foi um problema para ele me tirar de lá, eu não queria mais sair. Eu via aquelas negras soltando o cabelo, ficava aquela coisa enorme... eu ficava encantada (suspira)... "Ai que coisa linda... e o meu é loirinho, essa micharia!" Elas falavam: "O seu cabelo é bom, o nosso é ruim". Eu falava: "Não, o seu é que é bom, o meu é ruim", e elas não entendiam nada.
Tenho uma grande influência por causa disso, eu adoro a estética negra.
PESSOAS
Tenho a impressão que nós não somos gente ainda. Tem gente que é rato, tem gente que é ave de rapina... nós temos um monte lá no governo, né? Ainda estamos nesse estágio terrível, ainda não chegamos ao estágio de gente.
Eu percebi que as pessoas inteligentes sabem amar ou pelo menos exercitam o amor. Acho que é a partir do amor que nós vamos virar gente. Já a burrice é uma doença terrível, e não tem cura porque é burrice.
As pessoas dizem que quem não anda é deficiente, quem não vê é deficiente. O Stephen Hawking só mexe um dedo, ele é deficiente? (gargalhada) Meu amor, deficiente sou eu.
Estamos construindo um povo deficiente no país, porque não estamos dando o essencial para o ser humano desenvolver a própria inteligência. E acontecem coisas extraordinárias, por exemplo, com o mínimo de vitaminas e sais minerais, o nordestino é o povo mais brilhante do Brasil. Quer dizer, tem uma compensação que a mãe natureza tá dando, fantástica.
Edição #4
Rio de Janeiro, 2001
RELIGIÃO
Eu sou uma idólatra. Os índios tinham tótens para lembrar que tudo o que existe na natureza é nosso irmão. Nós somos natureza, gente! Nós olhamos para a natureza, e ah, que beleza, adoro a natureza... como se a gente não fizesse parte dela. Precisamos nos religar.

Nós cagamos no mar, cagamos nas árvores, cagamos em tudo porque, depois de Moisés, nada mais é sagrado. Um Deus só, que nem cara tem aquela merda, é igual ao nazismo e comunismo, é mais fácil de dominar. Imagine dominar um povo que tem 40 mil deuses...
Jesus Cristo não serviu para porra nenhuma, em nome dele estão escravizando a alma das pessoas. Era exatamente o que ele não queria. Em nome de Cristo nós fizemos muito mais merda do que em nome de Hitler.
RAÍZES
Alexandre, O Grande inventou a globalização para integrar. Hoje eles estão usando essa globalização para... KRAU! Eu gosto de gente que integra, detesto raíz, raíz é para árvore.
O que as raízes fizeram com o ser humano? O inglês não aguenta o francês, o francês não aguenta o alemão, o alemão não aguenta o judeu, o judeu não aguenta o árabe, o árabe não aguenta o turco... Ai que saco!
Eu acho que o Brasil é o único país do mundo que tem a possibilidade de integrar e desenraizar o ser humano, aqui judeu se dá com árabe, vão juntos para o centro de macumba (risos).
Isso a gente tem de especial, eu acho que o Brasil é a saída do mundo.
AMIGOS
Conheci muitas pessoas boas no mundo, sou uma pessoa privilegiada. Uma taróloga me disse: "Elke, você é uma pessoa de sorte. Nunca vi, em todas as cartas que já botei, uma pessoa que tenha tantos amigos. Amigos que matam e morrem por você".
MODA
Eu sempre fui antimoda. Comecei com o Guilherme Guimarães, que era o maior costureiro do Brasil na época, mas sempre curti um trem esquisito, eu misturo tudo. Eu saía correndo atrás do Raul (amigo) e cortava as roupas dele, ele ficava doido.
CARNAVAL
Já saí em muito grupo especial, no carro e na avenida. Em cima do carro é legal, principalmente quando não existia sambódromo no Rio. O povo tava do seu lado, você entrava numa garganta. Uma vez, em um desfile, quando cheguei no fim da avenida, perdi totalmente o controle emocional, eu mijava e chorava... Hoje você tá lá e dá de cara com um turista mascando chiclete. Sei lá, perdeu um pouco da magia.
ATRIZ
Um diretor que ganhou um prêmio de cinema no Rio de Janeiro me falou: "Elke, até hoje eu me arrepio quando eu lembro de você no Pixote (onde ela faz um papel de traficante").
Em uma ocasião o menino, Pixote, começou a chorar. "Eu não quero matar a Elke..." E para gente explicar que ele não tava matando ninguém, que ele tava matando a personagem...
Depois das filmagens fiquei moralmente muito machucada, porque aquilo foi muito real. Eu olhei para aquele menino, e vi que ele não tinha saída. Ele não era ator, era o personagem. Sou madrinha dos presidiários e já vi muitos daqueles tipos. Olhava e falava assim: "Meu Deus, não tem saída".
Nunca me acreditei como atriz, mas todo mundo gosta. O Avancini disse: "Você é uma atriz fantástica, pena que não tem vocação". É verdade, se você me bota na frente de 100 mil pessoas, tudo bem, mas se você me dá outro nome e me dá um texto, eu não me garanto. É uma coisa engraçada.
INÍCIO
O Haroldo Costa, que era da produção do Chacrinha, mandou uma foto minha pro Velho Guerreiro. Eu nunca tinha visto o programa do Chacrinha, meu pai não me deixava ver televisão, você acredita? Ele achava que era burrice.
O pessoal da produção me ligou e eu perguntei "Caralho, o que é que eu faço lá?" E me disseram: "É só você julgar o calouro".
Aí, meu amor, eu entrei lá, me sentaram do lado do Pedro de Lara... ele ficava num canto e eu no outro. Ele é uma graça. uma pessoa boníssima. Eu lá com a buzina, ele do meu lado e eu "buuuuu"...
Fiquei 14 anos, aí o Chacrinha brigou com a Globo e foi para a Record, que tinha uma penetração muito pequena, só aqui em São Paulo, e ainda teve o incêndio. Eu vivia às custas desse meu trabalho na TV. O Chacrinha não podia me pagar. O Silvio Santos me chamou e eu fui.
TV
O Gugu, desses poderosos, é uma das poucas pessoas que sabem lidar com o ser humano, ele é extremamente carinhoso, doce. O poder é uma coisa muito esquisita, coitados desses poderosos.
Programa de calouro é uma fórmula ultrapassada, só tivemos três mestres no Brasil: Ari Barroso, Chacrinha, e um pouco o Flavio Cavalcanti. O que veio depois foi para usar as pessoas, não encaminhá-las, então não cumpre mais a finalidade. Uma velhinha definiu isso muito bem. Outro dia me perguntaram se eu não queria mais ser jurada, e eu falei: "Nâo tá mais atingindo o objetivo". Aí a velhinha falou: "O Chacrinha era um palhaço, os outros fazem as pessoas de palhaço".
KARMA & DHARMA
Cada um tem que cumprir a sua finalidade, seja lá qual for, nem que seja de assassino. Tem uma finalidade em ser assassino, em ser ladrão. Se eu fico muito amarrada nessa bolsa, alguém tem que me libertar dela. Se de repente você é assassino, você é o instrumento de Deus que diz: "Porra, aquele lá não tem mais o que fazer na Terra, manda ele embora".
VIRA-LATA
Eu sou vira-lata mesmo. Desde criança eu ria para caralho, beijava todo mundo... bom, até hoje eu sou (risos), abano o rabo, adoro!
O Sacha (meu marido) um dia me falou: "Agora eu entendi você. Eu vi um cachorro vira-lata brincando na paraia, aí chegaram dois cachorros de raça e o vira-lata foi brincar com eles. Os cachorros de raça olharam para a cara de seus donos, como quem diz, brinco com ele ou não? O dono não quis, né. O vira-lata saiu e foi brincar sozinho".
PUNK?
Elke Maravilha não apareceu, já nasci desse jeito. É claro que fui piorando com o tempo, piorando pra caralho!
No início eu levava porrada na cara, apanhava na rua (mostra a cicatriz embaixo do lábio). Fui a primeira punk do mundo e nem sabia o que era isso.
Um dia aconteceu uma coisa engraçada: a primeira vez que eu fui à Inglaterra, cheguei no aeroporto e todo mundo ficou me fotografando. Algum tempo depois, mandaram um postal para minha irmã escrito "Visit London", com a minha cara. Virei símbolo na Inglaterra.
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