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Edição #13
Lisboa, 2010

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“DKANDLE tece paisagens sonoras transcendentes vibrantes e multicoloridas, misturando texturas Shoegaze difusas e reverberantes, meditações Dream Pop hipnotizantes, tons Grunge lamacentos e tensões Post-punk temperamentais, intensificadas com lirismo comovente e vocalizações emotivas e pensativas”

Inspiração é criação. É como os elementos ou ingredientes que estão dispersos e disponíveis na prateleira do Universo, onde pegamos o que nos interessa para daí criarmos a nossa obra.

Não podemos produzir inspiração do nada - não dá para sentar e dizer: "Pronto, quero ter inspiração agora!"; não vai adiantar... Não se recebe de mãos beijadas a inspiração, é preciso lutar por ela. É um processo  através do qual filtramos aquilo com o qual entramos em sintonia; fazemos uma conexão, e essa inspiração "baixa", como um download, mas ela não passa pura (no sentido de ser intocável). Não é verdade que o artista é "apenas um canal": ele é mais do que um canal, pois a arte (música, pintura, poema etc) é "contaminada", vamos dizer assim, pela eudade do artista. E só então nasce a obra de arte, que é como um filho, nascido do casamento entre o eu individual e o eu universal.

Qualquer um pode conseguir inspiração, mas ela não se dá de qualquer modo, é preciso um certo temperamento de espírito, aliado ao ambiente onde se encontra e/ou se vive. O artista, para ser autêntico, deve expressar e dar voz à sua alma, e deve também expressar a totalidade do mundo em que vive naquele momento. Mozart e Beethoven foram quem melhor expressaram o espírito de sua época. Sua música sobrevive até hoje porque elas expressam a totalidade do espírito de sua época de modo magistral. A verdadeira obra de arte nunca se esgota.

Mas o que é uma arte bem inspirada e uma arte mal inspirada? Tudo resume-se ao sublime. A arte bem inspirada traduz melhor o sublime - que nem precisa necessariamente ser belo, queira notar. O sublime tem mais a ver com encantamento, que toca no âmago do ser e o deixa admirado através de uma emoção intensa. Mesmo músicas feitas somente de colagens e samples podem causar esta admiração - a forma como você cria a música não importa nem um pouco. Uma arte mal inspirada é aquela contaminada pelas trivialidades do mundo, onde se põe na frente de tudo o mercado, então a música deixa de ser arte e passa a ser um produto.

O originalidade nunca é total. O não-eu é necessário para que haja inspiração. Que tipo de música seria a de alguém que nunca tivesse ouvido outras músicas antes na vida? Ele nem saberia o que é música. Ele precisa de referências externas, de alicerces terceirizados. O interno se funde com o externo; por isso, o eu mergulhado dentro de si nunca conseguiria expressar a sua eudade. Devemos beber de várias outras fontes para criar nossa obra original. Mas é necessário que seja oferecido e produzido algo além do que já foi feito, senão será apenas uma cópia. O artista deve sempre querer fazer o que ninguém jamais fez. Criar é trazer o novo, acrescentar alguma coisa. Vamos nos espelhar nos melhores, eleger alguns como modelos, pois ninguém pensa a partir do nada, mas não devemos copiá-los - não há nenhuma criatividade aí.​

Sua arte deve ser reconhecida por outros para atestar seu valor. Não tem nada a ver com quantidade, mas com qualidade - o principal critério de Arte é o prazer. Mas não se deve confundir isso com querer agradar o público jogando seguro, apostando no que já está consolidado e aproveitando a onda. Vou enfatizar isto: você tem que ser estóico e não se comprometer com o mercado. Você deve apostar alto na sua originalidade, porque o que o povo na verdade quer é novidade, todo mundo sempre quer o novo!, tente então trazer coisas novas, inusitadas, que façam as pessoas falarem "Que porra é essa? Adorei!". Adorou porque você finalmente está trazendo o que aquela pessoa queria mas que ela nem sabia disso. 

É preciso uma dinâmica de ausência. É comum estarmos em fases mais inspiradas que em outras, mas não podemos estar inspirados o tempo todo, porque a inspiração precisa ser alimentada pela vivência do mundo. Precisamos mergulhar constantemente no oceano de nossas vidas e aos poucos ir adquirindo vivências que, como um vulcão, culminarão no elo com a inspiração. "A verdade, mesmo a literária, não é fruto do acaso", disse Deleuze. Você pode ficar 50 anos na frente do piano e nunca tirar dele a divina frase de uma música. Existem leis na produção artística.

O ambiente também conta muito para a inspiração. Você vai estar muito mais inspirado em certos ambientes do que em outros. Mas não quer dizer que a inspiração numa praia paradisíaca seja necessariamente melhor do que a em um hospital. Muitas vezes a dor é uma grande fonte de inspiração. Como dizia Vinícius de Moraes: "Pra fazer um samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza"...

Mas não é só o ambiente exterior que conta. Também podemos obter grandes inspirações de olhos fechados, meditativos, ou mesmo quando estamos sonhando. Talvez a inspiração de sonho seja a mais "pura" possível, porque o espírito se encontra muito mais livre e com isso pode ter muito mais acesso à Coisa-em-Si. Muitas pessoas sonham com alguma música, ou com uma imagem muito forte, ou com o enredo de algum livro/filme, ou com uma poesia, e ao acordar, trazem para o mundo físico o que viram/ouviram em sonho e nos presenteiam com a sua arte. A ideia da tabela periódica, por exemplo, teria surgido ao seu criador, Mendeleiev, enquanto dormia: "Vi num sonho uma tabela em que todos os elementos se encaixavam como requerido. Ao despertar, escrevi-a imediatamente numa folha de papel."

Esses sonhos podem dar a impressão de que a inspiração surge do nada, de um momento de inspiração mágico. Mas é preciso descarregar muita transpiração antes do sonho... O momento de inspiração é na verdade um resultado condensado de toda história de sua vida; só você, na sua experiência de vida, poderia produzir o que fez. A sua inspiração é um espelho de quem você é. Você é um rio em constante movimento, e a inspiração surge desse rio.

A INSPIRAÇÃO NA GRÉCIA ANTIGA

O termo grego para "entusiasmar" significa estar tomado pelo hálito ou espírito de um deus. A musa, que é a ideia da inspiração, fala de uma transcendência, uma superação. Sócrates deu o exemplo de um poeta que fez um único bom poema na sua vida, e o resto foi porcaria, mas esse único bom poema era cantado por todos os gregos; ele achava com isso que não dependia do poeta esse poema, porque se dependesse dele, ele teria feito outros. Ele só fez um porque foi o seu único momento de inspiração em que os deuses foram favoráveis a ele. Se ele realmente tivesse a téchne, ele teria sido capaz de fazer um segundo poema tão bom.

As musas são filhas da memória de Zeus, o mais poderoso dos deuses olímpicos. Zeus é um raio, é o instante, o momento, o imediato, onde tudo se resolve. As musas são filhas do momento, do instante do raio que revela e deixa aparecer com a memória. As musas são o ponto de partida da poesia.

Antes de o poeta expirar a palavra com a voz, ele precisa inspirar o ar. A inspiração é esse fôlego que ele traz, que provê a voz. Esse ar, esse sopro é a própria vida. A respiração é poder. Os gregos diziam que o diafragma é a força vital mais importante, pois é por onde sai a palavra. O espírito é um sopro. Homero, no segundo canto da Ilíada, recita os guerreiros que estavam presentes na Guerra de Troia, e para dar conta dessa enorme enumeração, ele precisou nesse momento de um fôlego maior, então ele invocou as musas.

Todas as artes têm o sentido ligado à formação dos homens, à transmissão de conhecimento, e isso aparece no primeiro poder das musas. O canto é a expiração do canto para glorificar o futuro e o passado. O poder que as musas dão aos poetas é o poder de cantar, glorificar tanto o passado quanto o futuro. As musas sabem o que será, o que foi e o que é sempre.

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